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No Sul de Minas, tem se tornado evidente o processo acelerado de diminuição do potencial dos mananciais de água. Nesta época de estiagem, novos produtores rurais se juntam àqueles que, surpresos, constatam que estão ficando sem água em suas propriedades. Muitos já chegam a utilizar caminhões pipa para transportar água para suas criações. Outros se apressam em cavar cisternas e poços artesianos ao verem aparecer o leito seco do córrego que, há pouco tempo, fazia a água chegar abundante até a fazenda. Vão ficando na memória as cenas da época de infância quando a água nascia tranquila na mina, escorria suave para o regato sob o frescor das árvores, murmurava cristalina na bica e prosseguia sua viagem de encontro com outras águas, ampliando seu curso, formando córregos, ribeirões e rios caudalosos, desenhando um rastro invisível de benefícios à vida e sempre contando com o amparo e proteção da vegetação frondosa ao longo de suas margens.
Alguns estudiosos da área ambiental afirmam que o problema da crescente escassez no abastecimento de água na região começa nas serras, que funcionam como uma grande “esponja” para captação de água das chuvas e alimentação dos lençóis subterrâneos que, por sua vez, alimentam as nascentes. A Serra da Mantiqueira, nesse sentido, é considerada uma enorme “caixa de água”. O continuo processo de desmatamento nos topos e nas áreas mais íngremes das serras, substituindo as matas por pastagens e lavouras, reduz drasticamente esta capacidade de absorção das águas das chuvas. Resultado: além de diminuir a alimentação dos lençóis subterrâneos, nas chuvas mais fortes a água escorre com violência, provocando enxurradas, erosões e inundações. Outros fatores apontados são a falta de consciência e de planejamento na utilização das terras, com eliminação das matas ciliares que cumprem a função de proteger e evitar o assoreamento dos cursos d’água, e a falta de proteção das áreas das nascentes, que se esgotam pelo pisoteio do gado e também pelo desmatamento à sua volta.
Como se vê, boa parte dos produtores rurais tem sua parcela de participação neste processo de degradação da natureza. Outros, porém, já adquiriram consciência a respeito da importância de tomarem atitudes práticas para mudar este quadro. Aureliano Chaves Correa de Figueiredo é um deles.
“Quem observa a natureza repara que os recursos hídricos estão diminuindo. E o agricultor mais que ninguém pode perceber melhor. Eu constatei, em um momento, que as nascentes e a vazão de água na fazenda estavam se reduzindo. Resolvi então fazer um trabalho de colaboração com a natureza para que pudesse ter na propriedade a garantia de água pura e abundante. A Fazenda das Areias se localiza numa região alta, possuindo treze nascentes que participam de formação de cursos d’água importantes e, a meu ver, a atitude de proteger as nascentes é uma questão de consciência, de espírito público”, justifica Aureliano.
A primeira providência foi cercar uma área de 14 hectares em torno da nascente principal da fazenda, impedindo a invasão de animais da propriedade. Ali foi iniciada a recomposição da mata ciliar, com o plantio de 1140 mudas de árvores de diversas espécies, priorizando as nativas e frutíferas, a maior parte formada aproveitando a estrutura do viveiro de café. Foram adotadas práticas agrícolas de terraceamento, bacias de contenção, subsolagem e adubação de solo, e implantação de bosques, em áreas de recarga, grotas e fundos de vales, com o objetivo de evitar a compactação do terreno pela ação das chuvas e recarregar os lençóis subterrâneos. Barragens foram construídas para oferecer água ao rebanho e ajudar na captação das chuvas. Para acompanhar os resultados do empreendimento, Aureliano construiu um vertedouro próximo à sede da fazenda e, ao longo dos anos, verificou o expressivo aumento da vazão de água. O projeto de recuperação das nascentes contou com o apoio técnico do IEF e da EMATER de Coqueiral e, aos poucos, foi implantado nas outras nascentes da fazenda, perfazendo uma área de mais de 30 hectares cercados e protegidos.
O sucesso do empreendimento chamou a atenção de outros produtores da região, que passaram a visitar para conhecer o trabalho e aplicá-lo em suas propriedades. Aureliano costuma receber também grupos de alunos de diversas escolas da região e transmite a eles noções de Educação Ambiental, mostrando a importância da preservação para as gerações futuras.
“A água gosta de caminhar na sombra”
Para a formação desta consciência ecológica de Aureliano, uma pessoa foi fundamental: seu pai Clotário Correa de Figueiredo. Aureliano conta que tinha apenas cinco anos de idade quando seu pai adquiriu a Fazenda das Areias, em 1940. Já havia no local uma boa estrutura, com máquina de café e gerador próprio de energia elétrica, coisa rara naquela época. A propriedade tinha fartura de água. Seu Clotário era um homem de temperamento sereno e conciliador. Em sua simplicidade, guardava grande sabedoria e era um observador sagaz da natureza. “Desde criança, aprendi a admirar meu pai. Ele era um protetor da natureza e, em uma simples frase, conseguia transmitir profundos ensinamentos. Para ressaltar a necessidade de conservação das matas ciliares, costumava dizer que a água gosta de caminhar na sombra”.
A visão de desenvolvimento sustentável colocada em prática na Fazenda das areias é um exemplo a ser seguido por outros produtores rurais. “É fundamental que o agricultor tenha consciência do que representa para ele os seus bens maiores, que são o solo e a água. Em última análise, são os fatores principais da atividade agrícola. O solo deve ser trabalhado de modo a evitar a erosão, impedindo que ele se escoe e que seja depositado ao longo dos cursos d’água, empobrecendo os campos de cultura e assoreando esses cursos d’água. A água farta e límpida melhora e muito a qualidade de vida do homem. Ao longo de nossas nascentes e cursos d’água precisamos ajudar a natureza na recuperação das matas ciliares. Basta que cada agricultor deixe, nesses locais, faixas de terra sem cultivo, que a própria natureza se incumbe de recuperá-las, com o tempo.
Mas o agricultor consciente coopera com a natureza, plantando árvores onde é necessário, e isto, além de beneficiar o meio ambiente, irá elevar a qualidade de vida de nossas gerações futuras”, finaliza Aureliano, com sabedoria de seu pai Clotário.
O texto é de outubro de 2002, por Eduardo Pio Chaves.
Fonte: Farmpoint