* Bruno Fernandes Sales Santos: Zootecnista pela Unesp de Botucatu e Msc. Sheep Genetics Consultant da AbacusBio.
Os últimos meses têm sido intensos para os operadores do mercado internacional de carne ovina. Os preços realmente sofreram uma redução em consequência da situação econômica internacional, sobretudo na Europa. Os países exportadores estão buscando alternativas que compensem as perdas sofridas no último ano, quando os altos preços aliados às dificuldades financeiras vivenciadas pelos mercados na Europa e nos EUA, causaram reduções significativas nas vendas. Além disso, as variações cambiais têm afetado significativamente os resultados. Uma grande lição foi aprendida quando, em tempos difíceis, onde as despesas aumentam e a receita se mantém estagnada, ou mesmo reduzida, as consequências podem ser sérias e todos devem estar preparados.
A lucratividade verificada nos últimos dois anos pelos produtores de ovinos na Oceania e na Europa (sobretudo no Reino Unido) não será verificada na safra que se inicia. Os preços ao produtor serão reduzidos, mas felizmente não retornarão aos baixos níveis de 2007/2008. A expectativa é que os preços se acomodem em um patamar que possibilite aos produtores eficientes obterem margens interessantes e à indústria de processamento manter o consumo e as vendas em níveis aceitáveis, tendo em vista que a crise persiste.
Austrália e Nova Zelândia conseguiram controlar as reduções e começam a retomar o crescimento de seus rebanhos, devido sobretudo, ao fato da produção de ovinos ter demonstrado boa rentabilidade nos últimos anos. No Reino Unido, os produtores têm obtido bons resultados nas últimas safras e a tendência é que a próxima seja tão boa quanto ou ainda melhor. Assim, considerando que haverá ou já existe uma redução nos preços, qual é a explicação para os bons resultados esperados para a cadeia produtiva destes países?
No Brasil por outro lado, a situação se mantém estagnada em termos de produção, e apesar dos bons preços verificados no mercado e dos claros sinais com relação ao potencial de consumo e necessidade de uma cadeia produtiva estruturada para de atender à demanda, nada é feito. O consumo continua sendo atendido pelo abate ilegal e pelas importações, a cadeia produtiva segue completamente desorganizada, sem rumo ou direção, desunida e com alguns poucos integrantes da cadeia obtendo algum tipo de retorno. Entretanto, é interessante notar que as oportunidades continuam abertas e que o potencial realmente existe.
Sabemos que existem criadores obtendo bom retorno em suas operações, sabemos que determinadas empresas processadoras visualizam na carne ovina a maior rentabilidade entre todas as carnes processadas e temos a clara percepção que as empresas fornecedoras de insumos continuam atingindo suas metas. Então, por que a cadeia produtiva de ovinos no Brasil não consegue se estabelecer? Por que tantos criadores entram e saem da atividade após sofrerem perdas significativas em seus investimentos na criação?
Uma das grandes diferenças entre o Brasil e os países com ovinocultura estruturada é que nestes paises existe uma direção. A atividade nestes países é conduzida por organizações sérias, motivadas e comprometidas com o sucesso de todos os criadores.
Organizações como Beef & Lamb New Zealand, Meat and Livestock Australia, EBLEX (Inglaterra), ICBF (Irlanda), Hybu Cig Cymru (Wales) e outras, são responsáveis pela coordenação, promoção e desenvolvimento das cadeias produtivas destes países. Em geral, são instituições que envolvem o setor privado e público, mas que não são e não operam como órgãos governamentais ou ONGs. São administradas e conduzidas como grandes empresas privadas, que obtêm sua receita à partir de contribuições compulsórias dos produtores, empresas frigoríficas, fornecedores de insumos e etc. Todos contribuem e desta maneira todos têm voz ativa através dos representantes eleitos pelos próprios setores.
Nestes países, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento são financiados em grande parte pelas organizações que representam o setor. Tais investimentos são direcionados às áreas que impactam a atividade em suas bases de funcionamento, como sistemas de produção eficientes, genética para produtividade, acesso a mercados, qualidade dos produtos, estatísticas sérias e confiáveis, além é claro, da representatividade política do setor. Interessante também é notar que, em certos casos, o governo contribui igualmente com o mesmo valor levantado pelas contribuições dos diferentes elos da cadeia, o que aumenta os recursos disponíveis e beneficia diretamente a atividade.
As instituições também são responsáveis pela capacitação dos produtores e do material humano envolvido, não no nível básico e assistencialista, mas sim no fornecimento de informações que contribuam para o planejamento estratégico, aplicação das inovações tecnológicas viáveis e melhoria na condução das propriedades rurais, que devem atuar como verdadeiras empresas lucrativas, e que demandam dedicação e comprometimento.
O potencial do Brasil em se estabelecer como um importante “player” no cenário internacional da carne ovina existe. Na verdade, o país já é um dos importantes importadores e a tendência é que as importações aumentem. Entretanto, se o país deseja gerar riqueza à partir desta atividade, as coisas terão de mudar!
Os criadores precisam se profissionalizar, as empresas precisam estar comprometidas, as instituições de pesquisa precisam estar alinhadas com a realidade, as associações (de raças e de criadores) precisam se modernizar e mudar a mentalidade, e as políticas públicas devem ser criadas para facilitar, simplificar e promover o desenvolvimento da atividade como um todo.
Não é uma tarefa fácil, e sinceramente não acredito que isto ocorrerá nos próximos 15 ou 20 anos, espero estar enganado. Porém, enquanto estivermos presos aos paradigmas com relação a preços, impostos, parasitas, predadores e às crenças históricas de que animais podem ser selecionados com os olhos (por experientes jurados) nas pistas e leilões, e que o abate ilegal é bom para a atividade, dificilmente os resultados esperados serão alcançados. Aqueles que esperam ver, um dia, a ovinocultura brasileira se tornar uma das importantes atividades do agronegócio nacional, devem se preocupar hoje com o futuro da atividade e tentar, de alguma forma, seguir os bons exemplos existentes fora de nossas fronteiras.
Fonte: Farmpoint