De que maneira os direitos de propriedade sobre a terra afetam o investimento e a produtividade na agricultura? Trata-se de uma interessante pergunta, cujos desdobramentos podem nos levar a conclusões importantes. Antes de discutirmos a questão que inicia este artigo, porém, queremos falar rapidamente sobre o que são direitos de propriedades. Ou, melhor dizendo – dado que o tema por si só merece um texto -, propomos um rápido exercício de imaginação: imagine um produtor rural, que possui alguns hectares. Pois bem, pensemos naquilo que pode fazer com a sua propriedade; é evidente que este indivíduo não pode fazer tudo o que ali deseje, ainda que tenha recursos financeiros para fazê-lo.
Em outras palavras, podem haver limitações legais que o impeçam de usar toda a área, como uma determinada legislação ambiental. Ainda, restrições de ordem econômica, como os altos custos relacionados à proteção de um recurso pertencente à terra, podem fazer com que o produtor simplesmente decida que não vale a pena explorá-la de determinadas formas. Finalmente, costumes enraizados na sociedade podem determinar os limites para a utilização das terras. Independentemente da explicação, é evidente que tais restrições geram consequências sobre a forma como os indivíduos usarão um recurso, que no caso em tela é a terra.
Dito isso, passemos a um exemplo prático. Dois pesquisadores, Markus Goldstein and Christopher Udry, estudaram uma comunidade em Gana, com uma característica bastante interessante: ali, como em outras partes de África, os direitos de propriedade sobre a terra são redistribuídos de tempos em tempos. Mais especificamente, na região a área utilizada para a agricultura pertence a um chefe, que a aloca entre as famílias que pertencem à comunidade. Nesse sentido, sempre que considere conveniente, o líder pode expropriar o terreno de uma determinada família, alocando-o a outro grupo.
Não por acaso, nessa comunidade o poder político costuma ser sinônimo de acesso a melhores terras. Em outras palavras, famílias mais próximas do chefe têm garantias de que não terão as terras expropriadas no curto prazo, o que lhes dá maior tranquilidade para tomar as decisões econômicas. Por outro lado, aqueles mais distantes do núcleo do poder podem perder a posse sobre o terreno a qualquer momento. Estamos falando de uma comunidade cuja realidade impede o uso intensivo de fertilizantes, de modo que a rotação de culturas constitui o principal investimento na terra. Qual seria, então, a principal consequência da incerteza sobre as decisões econômicas das famílias ameaçadas de perder a terra?
Quem respondeu menor cuidado com a terra, acertou. Em resumo, a incerteza com relação à capacidade de utilizá-la durante um período mais longo faz com que muitos agricultores optassem por reduzir o período de descanso do solo, o que afeta a sua fertilidade. Na prática, o medo de ter os direitos de propriedade sobre a terra expropriados pelo chefe da comunidade leva a uma menor produtividade. Faz sentido, porém, o raciocínio do grupo dos “apressados”: em meio à insegurança, algo é melhor que nada, ainda que tal prática, no longo prazo, leve a consequências indesejáveis, como a perda de produtividade do solo.
O interessante do exemplo de Gana é que, durante séculos, ao que parece o sistema funcionou relativamente bem. Dito de outra forma, a concentração de autoridade em mãos do chefe, se não levou a um salto de produtividade, evitou a fome na comunidade. Inclusive, é preciso salientar que a inexistência de maiores avanços na região não devem ser explicados apenas com base na questão dos direitos de propriedade. As próprias características sociais ali predominantes certamente são uma excelente explicação: onde falta a “consciência capitalista”, ou ainda mercados organizados, é de se esperar que predomine certa estabilidade nas práticas e nos resultados colhidos.
Por outro lado, a escassez crescente de terra faz com que as decisões do chefe tenham peso cada vez maior. Da mesma forma, a falta de espaço tornou a expropriação um risco real para as famílias que lá habitam. Mais especificamente, mudanças de ordem demográfica, por exemplo, acabaram por influenciar o sistema de alocação dos direitos de propriedade na comunidade estudada de uma forma que, no longo prazo, provavelmente levará a problemas ainda maiores. O uso equivocado do solo deverá levar a ainda mais escassez, aumentando o poder do chefe, e, quem sabe, aprofundando ainda mais os desafios.
Nossa intenção com a apresentação do exemplo de Gana é uma só: chamar você, leitor, à reflexão sobre o tema dos direitos de propriedade. Trata-se de um tema bastante complexo, porque mesmo em sociedades como a brasileira, cujos costumes diferem bastante da prática em diversas porções da África, a posse de um título de propriedade é apenas o começo da história. Dizer “a terra é minha” é o início de uma complexa engrenagem que envolve uma série de fatores. A este tema, certamente voltaremos no futuro: no momento, entretanto, fica o chamado a pensar sobre como a questão se relaciona com o seu cotidiano.
Fonte: Farmpoint