Como chegar a um rebanho brasileiro de 100 milhões de cabeças? Simples: basta seguir os três passos de consolidação tecnológica. É comum afirmar que o animal doméstico (cabra e ovelha) produz carne, lã, leite, pele, estrume e … dignidade para o pecuarista!
Antigamente, muito antigamente, além dos tempos bíblicos, o Homem caçava os animais, exatamente como fazem os carnívoros, ainda hoje em dia. Caprinos e ovinos eram um de seus alimentos preferidos. Depois, o Homem descobriu que podia aprisionar alguns animais e obter crias em cativeiro. Começava assim a pecuária, no mundo, com a domesticação. Muitos escritores afirmam que a domesticação foi a ferramenta que impulsionou a própria civilização. O animal doméstico não era apenas alimento garantido, mas garantia de fixação na terra, permitindo melhoramentos na vida das pessoas. Ou seja, possuindo animais domésticos, o Homem podia cultivar a terra, gerando vilas, povoados e cidades.
O primeiro passo histórico, na pecuária, foi descobrir que os animais eram claro indicativo da riqueza e poder das pessoas. Quanto maior o rebanho individual, mais rica e poderosa era a pessoa. Para conseguir um aumento no rebanho o proprietário tinha que seguir muitas regras e ter muitos empregados.
O início da tecnologia dentro da propriedade deu-se por meio de ensinamentos que eram transmitidos de pai para filho, de geração para geração.
O segundo passo da tecnologia pecuária foi descobrir, entre os animais, aqueles que eram ou poderiam ser mais lucrativos. O terceiro foi consolidar as vendas, em feiras, cidades vizinhas, etc., para garantir que não haveria estocagem inútil dentro da propriedade.
Modernidade – Hoje, o Homem viaja até a Lua, mas a pecuária continua seguindo os mesmos três passos históricos. Se, antigamente, o Homem tratava de abastecer sua família ou seu povoado, hoje ele tem um planeta com quase sete bilhões de pessoas precisando de alimentos. Os três passos continuam sendo os mesmos, mas a escala tecnológica é muito maior para enfrentar o desafio também muito maior.
De fato, na modernidade, propriedade que não introduz tecnologia, constantemente, está fadada a ficar para trás na corrida rumo ao futuro. Por outro lado, as pessoas precisam comer e, então, compreendem que é melhor transferir a propriedade para aqueles que, de fato, querem e podem produzir. Acabou o tempo em que se pregava que toda família tinha direito a um pedaço de chão, para alimentar apenas os seus. Hoje, a família rural precisa produzir muito além de suas necessidades, para alimentar muitas outras famílias que moram na cidade.
A pecuária é ferramenta econômica importante, na modernidade rural
Nos Estados Unidos, terra de imensa fartura rural, a alface consumida pelos 300 milhões de norte-americanos é produzida por apenas duas famílias! Tamanho não é documento! A terra, nos Estados Unidos, é trabalhada por menos de 3% da população total. De fato, entre 1930 e 2000 o número de propriedades caiu 72% (de 6,7 milhões para 1,8 milhão). Mesmo caindo o número de propriedades, os Estados Unidos continuaram sendo o maior produtor mundial de alimentos, aumentando o uso de tecnologia. No Brasil, havia 4,3 milhões de propriedades até 100 hectares (Censo IBGE 1995/96), indicando ainda o uso de pouca tecnologia.
Somente a implantação de tecnologia permite a sobrevivência de pequenas e médias propriedades no mundo moderno e livre. O acesso à tecnologia, porém, é um obstáculo para os pequenos produtores. Então, qualquer pequena tecnologia é sempre muito bem vinda, no setor rural.
1ª Passo
DENTRO DA PORTEIRA
Neste estágio, o produtor tenta resolver os problemas imediatos. Num aspecto geral, trata-se de uma pecuária tradicionalista, mas que pode ser recompensadora, garantindo dignidade ao produtor. Aqui, a palavra-chave é “dignidade” para o homem da terra. É comum afirmar que o animal doméstico (cabra e ovelha) produz carne, lã, leite, pele, estrume e dignidade! Como resolver os problemas no campo, dentro da porteira de cada produtor? Naturalmente, ele vai resolvendo os problemas por etapas, a saber:
o Predadores – enfrentamento dos animais selvagens, ladrões, cães, acidentes diversos, acidentes climáticos esporádicos, etc. o Nutrição – ampliação da área de pastagem; implantação inicial de pastagens artificiais; consorciação com leguminosas; plantio de alguns cereais, ou volumosos especiais; etc. Praticamente não compra nenhum alimento para os animais.
o Sanidade – utilização de fármacos naturais; introdução de alguns poucos medicamentos industrializados; vacinações periódicas; manejo sanitário simples, mas suficiente para chegar a maior produtividade regional, com animais de boa longevidade.
o Melhoramento – identificação dos animais; início de sistema de multiplicação das melhores linhagens; troca de reprodutores com vizinhos; introdução de cruzamentos programados para abate; descartes orientados, etc.
o Mercado – práticas ancestrais de preservação de alimentos (carne, leite, etc.); aumento do consumo familiar (conservação); venda regional na porteira; vendas em feiras regionais.
Conclusão – A fazenda produz bem menos do que poderia, mas a lucratividade é satisfatória para o proprietário, dando-lhe dignidade. Os animais são tenazes sobreviventes às condições climáticas adversas. Os rebanhos variam entre 100 a 1.000 cabeças, havendo poucas exceções. Não existem frigoríficos de porte para estimular a produção. Há pouco investimento da indústria de medicamentos e insumos. A fazenda obtém o que precisa dentro das porteiras e vai progredindo até chegar ao ponto de poder ingressar no 2º passo.
2º Passo
DENTRO DO ANIMAL
Neste estágio, o produtor tenta resolver os problemas “dentro” dos animais, para ofertar produtos de qualidade, de acordo com as regras do mercado.
Predadores – não há mais animais selvagens, mas continuam existindo ladrões, cães, acidentes diversos, acidentes climáticos esporádicos, etc. Também vai sendo predado por “animais” jamais pensados, antigamente, tais como: impostos, taxas abusivas, extorsões/desvios capitalistas, etc.
Nutrição – as pastagens artificiais vão sendo parceladas (piqueteadas). A propriedade vai sendo reduzida, com o passar das gerações.
Cada pedaço de terra vai se tornando muito precioso, levando à busca de maior produtividade. A fazenda torna-se compradora de cereais, rações, etc.
Sanidade – padronização no uso de alguns medicamentos industrializados, com vacinações periódicas. Manejo sanitário geral, complicando a rotina para chegar à maior produtividade. o Melhoramento – aqui acontece a maior revolução, com técnicas para obter melhor musculatura, melhor rendimento de carcaça, animais diferenciados, etc.
O produtor procura garantir uma boa DEP (Diferença Esperada na Progênie). Os cruzamentos são programados por sistemas informatizados, procurando máximo desfrute, etc. o Mercado – praticamente tudo é comercializado além das porteiras e, não raramente, além do mercado regional. Busca-se um sistema para a consolidação de canais de escoamento.
Conclusão – A fazenda apresenta uma lucratividade satisfatória, mas o proprietário espera ainda mais. Os animais deixam de ser medidos pela rusticidade (medida por fatores externos), pois já houve um equacionamento de problemas até o dia de abate.
Surgem vários frigoríficos de grande e médio portes, alguns com marca própria, estimulando a produção de carne regionalizada. Surgem vários investimentos da indústria de medicamentos e insumos, prenunciando dias melhores para o futuro.
Os rebanhos estão entre 400 a 5.000 cabeças por propriedade, havendo algumas além de 10.000. A fazenda já pode sair das porteiras e está pronta para entrar no 3º passo.
3º Passo
DENTRO DO MERCADO
Neste estágio, o produtor, tendo resolvido os problemas do meio ambiente (1º passo) e os das linhagens de animais (2º passo), volta-se para assumir um papel particular no mercado globalizado. Trata de buscar alternativas que garantam um lugar entre as propriedades de alta produção e de facilidade de escoamento. Passa a estudar meios para garantir a manutenção da lucratividade, iniciando uma sequência de boas práticas de convivência com o meio ambiente.
Predadores – continuam existindo acidentes diversos, acidentes climáticos esporádicos, etc. Para combater as “sangrias exógenas” (impostos abusivos, taxas e extorsões/desvios capitalistas, etc.) une-se a aglomerados empresariais, institucionais ou governamentais de atuação regional, nacional e internacional.
Nutrição – as pastagens são totalmente artificiais, piqueteadas, servindo às vezes como solário. A propriedade está dividida em várias outras, menores. Cada pedaço de terra vai se tornando muito precioso, levando à busca de maior produtividade em alguma atividade específica (ou criação, ou produção de grãos, ou confinamento, ou área de lazer dos animais, etc.) A fazenda é normalmente compradora de cereais, ou de rações, ou de silagem, etc., produzindo in loco diversas receitas para a correta nutrição dos animais. O sistema de nutrição é voltado para a produção de carcaças preconizadas pelo mercado.
Sanidade – algumas linhagens mostram serem mais resistentes a patologias (devido ao manejo genético), ao mesmo tempo em que o mercado paga melhores preços para animais que utilizam o mínimo de medicamentos. Pratica-se um manejo sanitário geral, com rotina que garante máxima produtividade animal.
Melhoramento – a fazenda produz milhares de animais, em escala programada. Os vários sistemas de produção são programados por sistemas informatizados, procurando máximo desfrute, etc. A pesquisa acontece também dentro da fazenda, em colaboração com outras propriedades, gerando um avanço comum e benéfico para todos os produtores. A propriedade, com sistema de criação e acabamento em larga escala, mantém grandes rebanhos, tanto ao ar livre como em confinamentos.
Mercado – praticamente tudo é comercializado em escala nacional e internacional, por meio de conglomerados privados ou governamentais. Busca-se a ampliação de canais de escoamento e novos caminhos de melhoramento genético, com constância, havendo estudos permanentes sobre os diferentes mercados. Surgem diversos “Selos” próprios, disputando fatias do mercado. Abrem-se canais de fornecimento de genética avançada para o mundo inteiro.
Conclusão – A fazenda apresenta uma boa lucratividade, com rebanhos de corte entre 1.000 a 30.000 cabeças, havendo exceções além de 50.000. Busca somar todas as tecnologias que vão surgindo, incluindo equipamentos corporativados (tomografia computadorizada, etc.), pesquisas genéticas, etc.. A indústria de medicamentos e insumos investe maciçamente neste segmento de mercado, passando a competir diretamente com os setores de aves (frangos), suínos e bovinos.
TRÊS PASSOS EM UM
É possível saltar as etapas? Sim, desde que o salto seja promovido principalmente por empresários. Consegue-se um salto ao juntar os elos da cadeia produtiva para atender certa região.
É o que acontece em países de grande produção como a Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos: todos os esforços acontecem ao redor de frigoríficos que estimulam centenas ou milhares de propriedades que seguem, rigorosamente, as regras para produção de carcaças homogêneas (é o que aconteceu, no Brasil, com frangos, suínos e gado de corte).
Ao mesmo tempo, a região – sendo grande produtora – une-se ao redor de instituições sólidas (para orientar a produção e comercialização). A mola propulsora é a liberdade empresarial, que leva à livre disputa de mercados, adubada pela noção de dignidade para os que permanecem no campo, ao sol, produzindo o precioso alimento para o planeta.
O homem do campo precisa ter sua dignidade respeitada, permitindo-lhe acesso à tecnologia e aos meios de produção. A cabra e a ovelha produzem carne, lã, leite, pele, estrume, mas principalmente, dignidade para os que vivem no campo.
Fonte Revista O Berro